Translate

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Lampião a caminho de Juazeiro, a Cidade Santa

LAMPIÃO convocado para fazer parte do Batalhão Patriótico do Juazeiro do ‘Padim Ciço’

A Coluna Prestes transpôs o rio Parnaíba, penetrando no Piauí. E a 18 de janeiro de 1926 atingiu a cidade de Picos, no Piauí, próximo do Ceará, ameaçando assim o Cariri.
O Deputado Floro Bartolomeu, investido pelo Presidente da República com a patente de General, para combater a Coluna Prestes, chegava ao Juazeiro com uma numerosa quantidade de munição, armas, fardamentos e com muito dinheiro no bolso para fazer frente às despesas de uma empreitada dessas.

As restrições que Lampião fizera ao Batalhão Patriótico onde mostrou com suas palavras a falta de disciplina e de um uma escolha de oficiais de comando sem tática, deixou o general desgostoso com ele. Floro Bartolomeu não conseguiu entender até então o que o guerrilheiro mais famoso do Brasil, naquela época, queria dizer e por isso macambúzio veio a relevar a provável ajuda. Quando Floro se convenceu que Lampião tinha razão, mandou logo procurá-lo para entregar-lhe, com a patente de Capitão, um dos comandos de vanguarda do Batalhão Patriótico.
— "Lampião é bandido!"  diziam uns.

— "A História” - replicava Floro, “está cheia de bandidos que se regeneraram, tornando-se grandes homens e até fundadores de império e nações”.
A importância dada a Lampião e seus cangaceiros pode ser sentida por quem conhecia por demais suas proezas e suas táticas de guerrilheiro. Um guerrilheiro bem treinado, vale por cem soldados imberbes ou despreparados. O pequeno bando de Lampião, de cerca de 50 homens valia por 5.000. Fico impressionado, pelas táticas desse homem que nunca veio a ter um preparo militar de caserna. Era guerreiro nato como muitos da história humana.
Era um cabra destemido e valente. Não significando que em algumas fugas do combate, mereça o adjetivo de covarde, assim como alguns infelizmente pensam. Essa é a tática de guerrilha usada em diversas partes do mundo. Para um inimigo poderoso, um ataque e um recuo para não perder forças. Apenas quando Lampião sentia que o enfrentamento era possível, tiroteava por diversas horas com seus inimigos.
A política da época dos coronéis do sertão, o usava de diversas formas, tornando-se seu aliado quando se tirava vantagem e mostrando-o como um bandido sanguinários quando isso lhes era de ajuda.

Lampião Regenerado
 
Somente na mente de um homem voltado para a salvação das almas sertanejas que padeciam pelo abandono do poder público, poderia conceber um plano desses. Padre Cícero já tinha feito que um cangaceiro abandonasse a vida de crimes e enveredado nos caminhos da lei e da ordem, por que não fazia o mesmo com Lampião?

Foi então expedida a ordem de convocação, em cartão oficial, com o timbre do Batalhão Patriótico, Floro assinou e convocou com urgência Lampião.  Na casa do padre Cícero foi chamado João Ferreira, que admitiu seu irmão estar pelas zonas do Pajeú ou do Navio. Padre Cícero então escreveu uma carta ao Coronel Né Pereira, da Carnaúba, em Vila Bela, chamando seu filho, como dizia ele, para se render ao patriotismo, combatendo uma força ilegal, que avançava para o Ceará e com intentos de invadir a terra santa do Juazeiro.
João Ferreira, irmão de Lampião, não quis servir de portador daquela convocação e então foi escolhido e incumbido o Tenente Francisco das Chagas Azevedo, comandante da Trigésima Terceira Companhia do Batalhão Patriótico, que ao chegar em seu destino, a fazenda Carnaúba, apresentou-se ao Coronel Né Pereira, que não fez demora, enviando três ou quatro pessoas, por diferentes direções, para ver se encontrava Lampião. De logo, o encontraram. Suspeitando de cilada, recusou Lampião atender ao chamado, tão somente depois que examinou bem a assinatura do Padre Cícero, cuja letra lhe era familiar, é que se decidiu ir ao Juazeiro.
De imediato, Lampião, agora com quarenta e nove homens, se pôs nas veredas, na direção do Cariri, em busca da patente almejada e para atender seu padrinho santo.

Era de manhã cedo, quando Lampião subiu a serra do Araripe. Ia a cavalo com os seus cabras. Mas receoso, deteve-se ele antes de entrar no pequeno povoado chamado Macapá, hoje Jati, que tinha uma força pública comandada pelo Tenente Luís Rodrigues, mandou-lhe uma carta de apresentação e anexou as de Floro e do Padre Cícero.
Após a leitura, o tenente, devolvendo ao portador as missivas, dizendo-lhe que Lampião podia ficar despreocupado, pois não haveria inguirizia e que aquele documento apresentado por ele, era um passaporte legal e que as portas daquele povoado estavam abertas para Lampião e seus comandados.  
Às três horas da tarde, entrou o Rei do Cangaço, em Macapá, com seu grupo. Viajando em meus pensamentos, os vejo, e minha alegria de admirador não do bandido que era, mas de um homem que fez sua história e deixou gravado nos corações dos nordestinos, e porque não dizer, do Brasil e do mundo quase todo, na escrita e na tradição boca a boca. Todos montados, firmes e olhando pra frente com seus corpos retesados, garbosos, trotando pomposamente, em desfile como sendo o salvador do povo cearense contra a coluna que queriam destruir as terras de ‘Padim Ciço”. Porte de majestade, o Rei dos cangaceiros ia na frente, em um cavalo que imagino branco, mas que segundo o povo, era ruço. Estava ladeado à sua direita por seu irmão Antônio e à esquerda por seu Lugar-Tenente o cangaceiro Sabino, “os três puxando a fila dupla, marchando de costado, com vinte e três pares de cavaleiros e fechada por Luís Pedro, sozinho.”
 
Parou a tropa quase que real defronte da casa do Tenente Barroso. Desceram dos cavalos e formando um semicírculo e segurando suas montarias, onde após os cumprimentos, cordiais e de estilo, o “Tenente Barroso passou em revista a tropa lampiônica. Um a um, foram, minuciosa e demoradamente, apresentados por Lampião, os seus guerrilheiros e explicada a origem de seus nomes de guerra: — Antônio Ferreira (seu irmão), Sabino (lugar-tenente), Seu Chico, Maçarico, Aragão, Jurema, Nevoeiro, Pinica-Pau, Tenente, Mormaço, Cobra Verde, Andorinha, Moita-Brava, Açucena, Cuscuz, Luís Pedro, Moreno, Três Pancadas, Três Cocos, Chumbinho, Pensamento, Juriti, Meia Noite, Criança, Cancão, Coqueiro, Sabiá, Chá Preto, Barra Nova, Bentevi, Lasca Bomba, Azulão, Gato Bravo, Beija Flor, Bom Devera, Pai Velho, Maquinista (literato e secretário), Cravo Roxo, Jararaca, Candeeiro e seu irmão Vareda, Serra do Mar, Lua Branca e seu irmão Vinte e Dois, Colchete, Delicadeza, Fogueira, Arvoredo e Cajueiro.”

A maioria dos cangaceiros, cabras acostumados aos combates era pernambucanos. Uns de Vila Bela, outros de Floresta e do Pajeú de Flores. Mais alguns de Triunfo. Tirante Pai Velho sendo o mais idoso, o resto da cabroeira entre 18 e 30 anos de idade. “E com exceção de alguns curibocas e dois negros, os demais de cor branca, ou amorenados. Na residência de uma idosa senhora, D. Generosa, se reuniram Lampião e seu Estado Maior (Antônio Ferreira, Sabino e Luís Pedro) juntamente com os Tenentes Luís Rodrigues Barroso e Veríssimo Alves Gondim (comandante de volante), o sargento Antônio Gouveia e outros agaloados componentes da polícia militar cearense, para uma conversa informal, amistosa e animada, servida de galinha assada e regada a vinho cerveja. Lá fora, cangaceiros, soldados e povo em perfeita harmonia. Quase consumido o estoque de cigarros, fósforos, bolachas, vinho e perfume da bodega do comerciante Moisés Bento, que gostava de "despachar" os cangaceiros, fregueses esses bons pagadores.”
Lampião não gostava de dever a ninguém, exceto sua ira revoltada contra o sistema que o oprimia e por isso requisitou, pagando corretamente, todas as galinhas dos quintais para mantença de seu bando. Depois, no meio da rua, ordenou Lampião ao sanfoneiro tocasse "Mulher Rendeira". E, enquanto improvisava loas, os cabras, em roda formada, xaxavam e cantavam o famoso estribilho:
— "Olê Mulé Rendêra , ô, mulé rendá,  Chorô pru mim num fica Saluçô vai no borná"

A vibração dos acordes desta canção guerreira contagiou os militares e todo o povo. De súbito, entusiasmados, todos imitavam os alegres visitantes...
Horas inesquecíveis, de alegria e festa, as que Lampião veio trazer àquele pedaço de sertão perdido no Cariri! Durante as despedidas, entregou Lampião ao Tenente Veríssimo um bonito revólver niquelado "Chimite" ("Smith and Wess"), para ser oferecido, como presente, a seu amigo ausente - Capitão Honorato dos Santos Carneiro, da polícia do Ceará.

Prosseguindo na viagem, passou por Porteiras, indo pernoitar no sítio Laranjeiras, cujo proprietário, Antônio Pinheiro, fez troca dos animais cansados e inferiores do grupo, fornecendo outros melhores.”
Daí Lampião e seu bando, partiram como salvadores da pátria e com peitos estufados de orgulho patriótico, entoavam o hino  "Olê Mulé Rendêra , ô, mulé renda...”.  

O Sonho de um Sonhador

Parece que eu estava lá. Em minha mente buliçosa, viajava antes que um piscar de olhos estalasse, vendo aquela alegria contagiante. Lembrou-me, mal comparando, e que Deus me perdoe, do Rei Davi, quando voltava à Jerusalém com a Arca da Aliança, recuperada dos Filisteus, onde o povo cantava e tocava seus instrumentos cantando e louvando a Deus por Davi a ter recuperado.
Marchei junto com eles sem que eles me notassem. E notei a satisfação no rosto de Virgulino Ferreira da Silva, que queria se ver livre de Lampião, e esta era sua oportunidade. Queria ser uma pessoa comum. Era seu sonho e eu no meu sonho, entrava no seu sonho. Queria criar seu gadinho e ter sua roça de algodão e macaxeira. Talvez até mesmo em seus sonhos proféticos, tenha visto sua Maria Bonita, esperando por ele, para criarem em paz os seus filhos.

Infelizmente os homens de poder e os invejosos, não deixaram, uma pena...
Fontes de partes da matéria: