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segunda-feira, 3 de novembro de 2014

O Amor vence o mêdo - Primeira mulher a casar com um preso político no Brasil


 
Nasci em Augusto Severo (hoje Campo Grande) no Rio Grande do Norte, mais me considero mossoroense, porque quando eu tinha de Três para Quatro anos meus pais resolveram vir morar em Mossoró. Lembro-me muito bem quando chegamos nesta cidade e fomos morar em uma rua que não sabia por que a chamavam de RUA DOS FREIRES e ficava ao lado da Igreja Coração de Jesus.
Depois vim, a saber, o porquê. Nessa rua moravam muitas pessoas de uma só família. Todos os Freire, como o Sr. José Freire, Chico Freire (pai de Freirinho), o Sr. Pabiolino Freire, Sr. Massionilo Freire (pai de Vicente Freire), dona Maria Delfina Freire (casada com um dos Freire, sendo os pais de Lídio Freire), essa era razão, aquela rua ser chamada Rua dos Freires.
Ali chegamos de Augusto Severo (Campo Grande). Meu pai alugou uma casinha por 10.000 reis por mês e a senhora que nos alugou a casa chamava-se Isabel Gorda (seu apelido). Passamos pouco tempo nessa rua, porque meu pai como carpinteiro e marceneiro, foi trabalhar para a Prefeitura, cujo Prefeito nessa época era o Dr. Rafael Fernandes Filho, que já conhecia o meu pai por ele ter sido um dos voluntários do senhor seu pai o Dr. Rafael Fernandes, para as fileiras daqueles que iriam lutar contra o bando de Lampião em Mossoró, só que meu pai não estava inscrito nessas fileiras, porque ficou como guarda da casa da Dona Ná Oliveira , que era muito grande e estava sem proteção.
O Prefeito Rafael Filho solicitou a meu pai para fazer umas carteiras de um Grupo Escolar. A Prefeitura havia comprado o grande sobrado de Hemetério Leite e não estava ainda em condições de reformá-lo e o prefeito convidou meu pai para morar e se instalar com a família nesse sobrado. Ficamos morando ali sem pagar nada e morando por mais ou menos uns três anos e meio.
O sobrado dava para a Rua Dr. Almeida Castro e lembro bem das casas da vizinhança. Uma era a casa de dona Elisa que era mãe do Prof. Chico Assis, e de Antônio de Pádua e Ponciana e ficava de frente para a Praça Antônio Joaquim. A outra casa era do Sr. Massilon, pai de Luzanira, moça muito bonita e que tinha um defeito físico nos pés que eram voltados um para dentro, que se fosse hoje teria solução em ajeitar por cirurgia. Essa casa também ficava de frente para a praça.
Em frente ao sobradão morava o Sr. Terto Leite, pai de Xixico Leite e de Vicente Leite. Também morava em frente, o Sr. Chico Bessa com sua grande família. Bessinha, a mais velha que era professora, Edite, esposa do Prof. Raimundo Nonato, Cacilda, Milza, Giselda, Professor José Bessa, Professor Luiz Bessa e Orlando o mais novo dos rapazes, e se não me engano, Bernadete sendo a mais nova.
Nesse sobrado, meu pai montou uma pequena oficina e trabalhava dia e noite. E assim fui crescendo já tomando conhecimento que o sacrifício dos meus pais era grande para criar os filhos. Meu pai era um homem trabalhador, um grande mestre de obras maravilhosas e então foi ficando cada vez mais conhecido em Mossoró. Seus trabalhos eram artesanais, feitos à mão, como SANTUÁRIOS, CAMAS, CRISTALEIRAS, PORTAS DE CASAS, IMAGENS DE SANTOS, tudo trabalhado e esculpido a mão, com perfeição de um artista que era. Por fazer muitas esculturas de santos meu pai ficou conhecido em Mossoró por CHICO SANTEIRO. Muitos dos móveis bonitos que ele fez, talvez ainda existam em residências de Mossoró. Também confeccionou objetos tristes como caixões de defuntos, pois nesse tempo não existia ainda casas funerárias e foi ele que começou a fazer esses ataúdes de diversos modelos, até os de luxo, para pessoas com poder aquisitivo melhor. Com o tempo o Sr. Vicente Canuto colocou em Mossoró uma Casa Funerária.
Depois de morarmos uns três e meio anos naquele sobrado, o nosso Prefeito, se não me engano, o Padre MOTA, resolveu fazer uma reforma naquele sobrado que passou a ser a Prefeitura da cidade. Assim partimos para outra morada.
UMA OFICINA E RESIDÊNCIA A BEIRA DO RIO
Essa residência e oficina ficavam em uma rua, logo antes da ponte e era chamado naquele tempo de Rua do Sr. Manoel Leonardo, pai de Manoel Leonardo Filho, Afonso Leonardo e José Leonardo, Era um senhor idoso e tinha uma grande mercearia. A residência desta família ficava do outro lado do rio. Vizinho à mercearia era a oficina do meu pai.
A casa tinha duas salas enormes, na parte de trás um banheiro, cozinha, o compartimento ao lado servia como quarto e ali ficamos. Já éramos cinco filhos, eu como a segunda (eu tinha mais ou menos seis anos) tomava conta das crianças mais novas enquanto a minha mãe ajudava meu pai como também preparava a comida.
Ainda muito criança, eu tinha uns seis anos e o meu irmão Bolívar oito anos. Como toda criança brincávamos pela calçada. Ali era bem agradável, pois era de frente para o nascente. Era lindo à noite com a lua levando sua beleza pelas águas do rio e até hoje deve ser assim, porque a criação de Deus não muda, é fiel e certa... Bem, meus pais vez após vez trabalhavam até mais tarde da noite empalhando cadeiras (à luz do carbureto).
Muitas cousas eu não esqueço, eu era muito mimada pelo meu pai. Aconteceu sempre que pela madrugada, um cachorro grande e preto começava a latir na beira do rio e eu me apavorava e corria para o meu pai e ficava ali na cama encolhida entre meu pai e minha mãe, que não gostava muito, meu pai amoroso como sempre me prometeu saber quem era o dono do animal e porque ele latia assim, ele soube que o motivo era que o cachorro latia para os caranguejos que saia e se escondiam na lama do rio. Meu pai falou com o dono do cachorro e explicou para ele que as crianças estavam assustadas com os latidos do animal e não dormiam e o rapaz educadamente não trouxe mais o cachorro e foi um alívio para nós crianças.
Voltando a falar da mercearia do Sr. Manoel Leonardo, homem bom, tinha muitos filhos, pessoa calma e educada, sua mercearia bem sortida servia para todos que moravam naquelas redondezas. Por ser uma mercearia bem sortida ela era contratada pelos trabalhadores da estrada e ali vinham comprar algumas coisas. Esses homens trabalhavam nos açudes, nas estradas e sempre aos sábados vinham para receber seus minguados salários e fazerem o pagamento do que compravam na mercearia.
Em um sábado destes estava eu e meu irmão Bolívar sentados no batente da nossa casa quando aconteceu um episódio triste , ouvimos uma discursão , eram rapazes novos discutindo com o mestre da obra , como se eles não estivessem satisfeitos com o pagamento feito e ali estava a cavalo o tal chefe, e tudo diz que ele se exaltou e quando os rapazes deram de marcha o chefe sacou de uma arma e atirou nos dois rapazes os matando, um deles era pai de duas crianças e o outro era noivo ; com pouco tempo a esposa e a noiva chegaram e foi aquele clamor . Tanto eu como meu irmão ficamos impressionados com tamanha violência, meu pai tratou de tirar a oficina daquele local e se instalou em um ponto por traz da Tipografia do Sr. José Vasconcelos. Com a oficina ali, meu pai tratou de separar oficina e morada para a família. Alugou uma casa por 35.000 reis do Senhor Mota pai de Padre Mota, o qual era nosso vizinho e meus pais amavam e respeitavam aquele querido padre.
Moramos por muito tempo naquele endereço, eu já estava com 10 anos e assim foi chegando a minha adolescência, comecei a ver as coisas belas da mocidade como menina pobre que era, recebendo muito amor de meus pais e irmãos, sentindo a alegria de uma adolescência com muita simplicidade, acreditando que a jovialidade encobre muitas lembranças de sacrifícios.
Minha mãe teve muitos filhos. O primeiro chamava-se Bolívar, eu a segunda, depois os gêmeos Alcides e Alcindo, veio Antônio, Isolina, Conceição, Madalena, Bernadete, Maria do Carmo, Salete e Francisco. Bolívar, eu, Alcides, Alcindo e Antônio, nascemos em Augusto Severo (Campo Grande), os outros nasceram em Mossoró.
ORIGEM DOS MEUS PAIS
Meu pai chamava-se FRANCISCO DE ASSIS MASCARENHAS FILHO, filho de Francisco de Assis Mascarenhas e Rosa Verbolina de Carvalho. Minha mãe chamava-se MARIA ALBERTINA JÁCOME, filha do Coronel Benvenuto Jácome e Isolina Maria da Câmara Jácome. Meu avô por parte de pai era pequeno fazendeiro no interior de Augusto Severo (Campo Grande) RN.
Chico Santeiro
O pai da minha mãe era advogado rábula, todos os anos ele tinha que viajar para Natal a fim de levar as causas para o juiz assinar. Minha mãe nos contava que meu avô ia até Angicos-RN, a cavalo, de lá tomava o trem para Natal-RN, no dia que ali marcava a volta a minha avó mandava um rapaz, criado por eles, levando para Angicos dois cavalos a fim de pegar meu avô de volta.
Voltando à casa que morávamos que era vizinha a do Padre Mota, tenho muitas lembranças para contar. Meu pai não era político, na oficina dele entrava pessoas de partidos políticos, nesse tempo só existia dois, o Partido Popular e o Partido Liberal, depois que veio a Aliança Libertadora. Conversava-se muito sobre política, mas meu pai só fazia ouvir, todos deveriam saber que meu se mantinha calado porque precisava de todos para trabalhar e manter sua família, só que todos nós em casa sabíamos que meu pai e minha mãe não poderiam negar os votos deles à família Rosado, a consideração que eles tinham a Dona. Isaura Rosado, viúva do farmacêutico Dr. Rosado, era fundamental para aquela mulher maravilhosa. Até hoje não esqueço e com grande gratidão tudo que ela fez pelos meus pais.
Lembro-me que uma das vezes que minha mãe ficou acamada, os filhos ainda bem crianças, minha mãe nem se levantava e todos os dias esperávamos que meu pai chegasse da oficina para fazer nosso alimento, mas para minha mãe não faltava, porque todos os dias pela manhã e ao meio-dia, dona Isaura Rosado, mandava sua secretária, dona Julia, trazer o alimento necessário para minha mãe, como bolo, torradas, leite, canjica, etc., todos os dias variando o almoço.
Dona Isaura Rosado, as filhas, os filhos, todos, chamavam minha mãe de Comadre Albertina e Compadre Chíco. Quando era época de frutas não faltava na nossa casa, tudo de conformidade com a safra. Até hoje temos gratidão por essa inesquecível família ROSADO.
UMAS FIGURAS INESQUECÍVEIS (minhas tias por parte de pai)
Minhas tias por parte de meu pai eram quatro, tia Chiquinha, tia Antônia, tia Maria e tia Tereza. Todas gostavam muito de conversar, lembro-me muito delas na Fazenda chamada Boa Sorte perto de Augusto Severo (Campo Grande); meus avós eu não os conheci; no inverno minha mãe gostava de ir para a Fazenda, era tempo de fartura, milho verde, feijão verde, as vacas davam muito leite nessa época, queijos, canjicas, pamonhas.
Minhas tias (coitadas) trabalhavam muito depois que os velhos se foram (faleceram), meu pai já era casado e o meu tio Vicente era um boa vida (não queria nada). Meu pai falava muito que tinha mais dois irmãos e que por causa da dureza de meu avô em não querer que os filhos casassem (ele era contra o casamento) os rapazes fizeram seus farnéis e se foram pelo mundo afora e até hoje não sabemos deles.
Quando meu pai casou, o velho passou mais de um ano sem abençoa-lo, fez isso só quando estava perto de morrer. Minhas tias (coitadas) quando passavam rapazes pela Fazenda e que faziam os Correios ou então cambonheiros (espécie de mascates), elas não eram nem para sair das camarinhas (assim chamavam os quartos da casa) e assim as coitadas foram ficando idosas sem casar sendo assim chamadas de "moças velhas".
O velho quando morreu deixou uma boa Fazenda, com gados, cabras, etc., mas elas não tinham quem administrasse a Fazenda. Minha mãe com pena delas deu um dos filhos gêmeos Alcindo para que o criasse e até hoje ainda sinto muito pelo que minha mãe fez em separar os gêmeos Alcides e Alcindo.
O meu irmão que foi criado por elas não teve estudo e era muito criança, não dava para administrar a Fazenda, mas era um garoto trabalhador. E assim as minhas tias morreram de tanto trabalhar e quem sabe de tanto sofrimento e solidão.
MINHAS AMIGAS
NANI COSTA era jovem, dedicou-se a costuras finas. MARIA DO CARMO filha do meu padrinho Rubira, nós a chamávamos carinhosamente de "Umpamo". Como nós ríamos de tudo! Sem piadas maldosas, tudo era muito engraçado (coisas de jovens), nesse tempo por tudo se achava graça, (as pessoas tinham menos problemas).
O meu padrinho Rubira comprou um rádio e foi uma novidade para as amigas, pois existiam poucos rádios em Mossoró. Ali todas as noites a sala ficava cheia de pessoas, o rádio em uma mesinha com uma toalha bem bordada bem bonitinha e assim todos ficavam ao arredor da mesa, olhando para o rádio, ouvindo as músicas da época, como as de Orlando Silva, Silvio Caldas, Aracy de Almeida e nós ficávamos a rir das músicas, principalmente uma que Aracy de Almeida cantava que dizia "Ai, aí meu Deus, tenha pena de mim" era muito engraçado para nós jovens. Paulo Gracindo com sua voz grave e bonita anunciando programas, como o "Contador de Histórias" e a "A Hora da Saudade" e etc.
Muitas vezes eu e Maria do Carmo esperávamos um programa mais prolongado para sairmos de mansinho e dar uma voltinha no Jardim, que hoje chamam de Passeio Público, nome tão grosseiro, para o que era um nome tão bonito "JARDIM". Nesse Passeio Público tinha uma amplificadora da Prefeitura onde os rapazes enviavam mensagens musicais para "um alguém", e esse "alguém" já sabia que era para ela. Vicente Celestino cantando Patativa, O Ébrio, Gilca e muitas outras. Às nove horas da noite já era para uma moça de família está em casa, quinze para as nove da noite já era para está a caminho de casa.
Aos domingos era dia de ir para a missa, só que nossas mães nos separavam quando estávamos na igreja, porque eu e Maria do Carmo fazíamos muitas versões das palavras do Padre que celebrava a missa em latim e só dava para rir, não entendíamos nada de latim e essa separação era como castigo para nós.
As retretas na Praça Vigário Antônio Joaquim com a banda de música da Prefeitura, às quintas-feiras, e na Praça da Liberdade aos sábados. Nessas praças nos reuníamos, Corália, Rosália, Albertina do Sr. Manoelito, Haien (mossoroense, filha de ingleses) e Maria Elisa, todas jovens de 11 e 12 anos.
Gostávamos de conversar e ter amizade com pessoas de mais idade e assim nasceu uma grande amizade que até hoje guardo com muitas saudades e ao lembrar-me dela a emoção toma conta do meu coração, minha querida professora Maria Silvia de Vasconcelos, minha doce Masylvia.
MASYLVIA, romancista, poetiza e professora. Quando saímos da casa vizinha a de Padre Mota e na mesma Rua 30 de Setembro fomos morar ao lado do Sr. José de Vasconcelos, Dona Sinhá, os pais de Masylvia, que foi a minha primeira professora no Grupo Escolar 30 de Setembro, no 1° e 2° ano primário.
Com ela, todos os dias eu a acompanhava até o Grupo e ali esperava para voltar na sua companhia. Masylvia para mim era meu "anjo da guarda" como dizia os mais antigos, era alegre, sincera e creio, tive nela um espelho. Lembro-me, tinha 10 anos quando Masylvia foi passear no Rio de Janeiro, em suas férias, ela e uma amiga, Josélia, filha de Pedro Leite. Fiquei feliz, torcendo para que ela fosse e se divertisse bastante trazendo muitas novidades para me contar. Tudo que sentia por ela era com todo carinho e gratidão, porque como adolescente ela me dava atenção, conversava comigo, me cativava com sua simpatia, com seus conselhos amorosos como de uma mãe para a filha e assim quando ela viajou para o Rio de Janeiro, senti muitas saudades.
Quando Masylvia chegou de viagem, contou-me muitas novidades, mostrou-me fotografias, ela vestida em agasalhos lindos, vestidos, chapéus, sombrinhas bonitas e com tudo isso eu me sentia feliz como se fosse eu!
SELMA — era irmã de Masylvia, eu gostava de Selma, de seus repentes, suas brincadeiras. Francisquinho, irmão de Masylvia, foi meu compadre, padrinho de uma das minhas filhas (lvanise). Lembro-me bem que sempre ia a casa deles e um dia chegando, Francisquinho, rapazinho ainda, disse-me "meus parabéns Maria de Lourdes, nasceu mais um irmãozinho, um menino na sua casa e já abriu os olhos?" e Dona Sinhá, sua mãe, naquela calma foi dizendo: "Meu filho, você está pensando que gente é como gato? Que só abre os olhos com sete dias?" Hoje dou boas gargalhadas quando me lembro disso.
ODE A MOSSORÓ
Mossoró, para mim tu és inesquecível. Em sonho te comparo a um jardim, com seus canteiros cheios de flores, rosas como se fossem adolescentes desabrochando para a mocidade.
Rua 30 de Setembro, alameda da saudade. Praça da Redenção, cantinho do meu coração. Praça Vigário Antônio Joaquim, como se dizia, Praça da Matriz.
Crianças, jovens casais de namorados. Lembro-me daquelas músicas tocadas que vinham pela amplificadora da Prefeitura. Voa minha linda borboleta, voa a procura de ilusões.
Ainda em botões as flores recebiam o carinho dos jovens saltitando de alegria, onde existia carinho, onde existia inocência e respeito por todos, jovens e idosos.
Grupo Escolar 30 de Setembro, Colégio Imaculada Conceição, Colégio Diocesano Santa Luzia, tudo era um elo de alegria e felicidade e lembro-me do respeito que tínhamos pelas nossas queridas professoras Maria Sylvia, Sergina Leão e Elisa Guimarães.
EU E MENELEU
Era festa de fim de ano em Mossoró. Passeávamos sempre, minhas amigas e eu, no Jardim da Cidade (também chamado Passeio Público), onde retretas e bandas da cidade tocavam músicas lindas, dentre elas valsas, dobrados, marchinhas.
E os jovens demonstravam alegria e os casais momentos de felicidade. Assim era minha cidade: terra que sempre amei, terra de recordações, das amizades de meus pais, de minhas amigas, de minhas professoras, do Grupo Escolar 30 de Setembro, de nossa casa na Rua 30 de setembro, enfim, de lugares e momentos que só recordações nos trazem.
Foi numa noite como essa que conheci Meneleu. Tinha eu 15 anos incompletos e ele 21. Aquele encontro me fez sentir uma forte emoção, nunca antes sentida, que para mim era novidade. Tal reação foi correspondida, pois ele quis falar comigo logo que me conheceu. Senti-me atraída por ele. Minha idade talvez lhe tenha revelado uma certa ingenuidade que, decerto, não impediu o início de nosso namoro.
Meus pais começaram a tomar conhecimento do que se passava, e não estavam dispostos a aprovar tal relacionamento, pois me consideravam ainda uma criança. Entretanto, soube que nossos pais se conheciam e eram amigos, inclusive na mesma profissão, logo, não foi difícil continuarmos namorando, pois o consentimento partiu do fato de que eles se calaram diante da situação. Concluímos que quem cala consente.
Depois de namorarmos oito meses, chegou o dia da verdade. Meneleu recebera a notícia de que ia passar seis anos e seis meses na prisão. Nada pude compreender diante de tamanha revelação, mas contou-me ele toda a verdade, em relação ao que lhe tinha acontecido em 1935, em Natal.
Fiquei perplexa com o que me contara e não podia avaliar o que poderia acontecer nos dias que se seguiriam. Tentou advertir-me em relação ao nosso namoro, propondo um rompimento imediato, pois, segundo ele, eu deveria entender que ainda era muito jovem e não poderia, assim, perder a mocidade.
Entretanto, depois de várias reflexões, não aceitei desistir de nosso relacionamento. Tudo começou a ficar triste, pois, como temia; meus pais pediam-me que desistisse de continuar namorando Meneleu. Minhas amigas começaram a se afastar de mim, influenciadas, mesmo, pelos próprios pais. No entender dessas pessoas, Meneleu era um indivíduo perigoso, pois diziam que era comunista.
Os amigos de meus pais procuravam também influenciá-los, para que eles interferissem em minha conduta que, segundo eles, eu era menor de idade de idade e não poderia fazer uma escolha de tamanha importância. Acusavam-me, ainda, de fazer meus pais sofrerem com aquela "loucura", expressão usada por eles.
Passavam-se os dias, quando meu sofrimento e de meus pais foi amenizado por um convite especial de uma pessoa muito importante na cidade. Tratava-se do Doutor Raul Caldas, diretor de uma grande firma onde trabalhava Meneleu.
Por ter grande influência junto às autoridades do lugar, Doutor Raul Caldas conseguira, na época, o adiamento da prisão de Meneleu. Entretanto, chegou um dia em que a vontade política dos que estavam no poder falou mais alto, consequentemente, Meneleu foi recolhido à prisão, juntando-se a outros presos políticos que já se encontravam na Cadeia Pública de Mossoró.
Estávamos no mês de novembro, e mais precisamente, ao meio-dia, recebi o primeiro bilhete de Meneleu que dizia: "Estou preso. B Meneleu". Um sentimento de tristeza invadiu meu coração, tornando aquele dia um dos mais difíceis para mim. Não gosto mesmo de pensar quanta infelicidade envolveu-me, dando-me uma sensação de mudez e de morte. Contava eu apenas 15 anos e oito meses de idade. Para uma adolescente sem conhecimento e sem experiência na vida, era momentos de extrema revolta e sofrimento sem mesmo idealizar o que poderia estar a me esperar aquela "loucura", expressão usada por eles.
Passavam-se os dias, quando meu sofrimento e de meus pais foi amenizado por um convite especial de uma pessoa muito importante na cidade. Tratava-se do Doutor Raul Caldas, diretor de uma grande firma onde trabalhava Meneleu. Por ter grande influência junto às autoridades do lugar, Doutor Raul Caldas conseguira, na época, o adiamento da prisão de Meneleu. Entretanto, chegou um dia em que a vontade política dos que estavam no poder falou mais alto, consequentemente, Meneleu foi recolhido à prisão, juntando-se a outros presos políticos que já se encontravam na Cadeia Pública de Mossoró.
Estávamos no mês de novembro, e mais precisamente, ao meio-dia, recebi o primeiro bilhete de Meneleu que dizia: "Estou preso. B Meneleu". Um sentimento de tristeza invadiu meu coração, tornando aquele dia um dos mais difíceis para mim. Não gosto mesmo de pensar quanta infelicidade envolveu-me, dando-me uma sensação de mudez e de morte.
Contava eu apenas 15 anos e oito meses de idade. Para uma adolescente sem conhecimento e sem experiência na vida, eram momentos de extrema revolta e sofrimento sem mesmo idealizar o que poderia estar a me esperar. Passados oito dias, conheci uma pessoa que tinha acesso à cadeia e que me perguntou se eu gostaria de ver Meneleu. Naturalmente, aceitei sem titubear, ao mesmo tempo em que pensei na reação dos meus pais, já que os mesmos àquela altura já se sentiam quase certos da ausência de Meneleu em minha vida.
Não voltei atrás! Aceitei, assim, ser levada por aquela pessoa, juntamente com uma amiga, para vê-lo na cadeia. Foi um reencontro tão triste que, ainda hoje, me pesa na lembrança. Meneleu, por sua vez, diferentemente de mim, que chorava e me sentia como um pedaço de nada pegou minha mão e disse em tom de brincadeira: "Como é? Está resolvida a morar no porão?" Não pude responder à pergunta. Só chorava.
Passamos 30 minutos naquele estado de mudez. Infelizmente, era hora de voltar. Ao chegar em casa, deitei-me como estava vestida. Parecia anestesiada. Adormeci na minha tristeza e levantei-me apenas no dia seguinte. Meu corpo era como uma folha morta. A alegria de viver já não mais existia para mim. E como a folha morta, ia sendo empurrada pelo vento, pelos dias, pelo tempo, enfim, contando nele as horas e os minutos.
Fui tomando conhecimento, aos poucos, do que era a vida para aqueles presos políticos. Soube que as autoridades ofereceram-lhes o andar superior da cadeia onde elas próprias também permaneciam. Entretanto, os presos preferiram ficar no andar térreo, embora separados dos presos comuns, porque sentiam sua privacidade mais preservada. Meneleu e alguns outros começaram a sentir falta de uma ocupação, quer manual ou intelectual, e solicitaram providências para que eles pudessem produzir algo manualmente.
Foi consentida uma espécie de tamancaria, pois àquela época estavam em moda os tamancos de Carmem Miranda, assim como uma malaria. Assim, os presos poderiam ocupar o tempo a produzir algo que pudesse reduzir o ócio, bem como conseguir uma melhor alimentação. Foi dessa maneira que Meneleu conseguiu atrair a amizade e o respeito de todos que ali estavam, do mais humilde ao mais poderoso.
Tal respeito, inclusive, era muito importante para mim, pois em minhas visitas, as quartas, sextas e domingos, me sentia mais segura, muito embora minha apreensão fosse mais em função da liberdade que meus pais me davam apenas aos domingos, sem que soubessem de minhas visitas nos outros dias que citei.
Já bem familiarizada com tudo isto, passei a ser conhecida como a noiva de Meneleu, já não tendo mais tanta dificuldade para entrar e sair. Durante uma das visitas, logo que cheguei, solicitando licença para entrar e como sempre não havia resistência por parte da guarda, entrava naturalmente, quando, de repente, fui barrada por uma baioneta, dizendo-me o soldado da guarda que os presos estavam incomunicáveis, por decisões que haviam chegado do Rio de Janeiro.
Nesse ínterim, os presos amigos de Meneleu, vendo aquela cena agressiva, chamaram-no imediatamente, que acompanhado por todos os amigos, empurrou o soldado da guarda ao mesmo tempo em que me puxava para dentro do pátio, desafiando-o a me tirar de lá. Iniciou-se, assim, uma pequena rebelião que atraiu as autoridades que ali trabalhavam.
Estes, por sua vez, pediram para que Meneleu mantivesse a calma. Retiraram o soldado agressor que foi logo substituído. A situação deixou-me apreensiva e com medo. Trouxera-me, na ocasião, um copo d'água, para que eu recuperasse a calma, para, em seguida, por solicitação do tenente, voltar para minha casa. Ao chegar de volta à minha casa, não sabia o que fazer, com quem desabafar minha situação, pois sabia que não obteria apoio. Passava, assim, outro dia, tendo que esperar o dia seguinte, para continuar esperando os acontecimentos.
Um dia, porém, para facilitar a situação e, por amizade, Dr. Raul Caldas, ainda diretor da Empresa de Óleo do Brasil, onde trabalhara anteriormente Meneleu, resolvera intervir para que ele não perdesse o emprego. Solicitou às autoridades para que ele voltasse a trabalhar na empresa, em seu escritório.
Meneleu saía, assim, da cadeia de manhã e, à tarde, por volta das cinco horas, retornava. Não demorou por muito tempo esse período, pois alguém, não se soubera quem, denunciara junto ao Tribunal de Justiça essa regalia que havia sido dispensada pelo Dr. Raul Caldas.
Alguns meses mais tarde, Meneleu foi transferido para Natal, e ao falar comigo sobre essa transferência dissera-me que seria nossa separação, ou então, conforme me perguntara, deveríamos casar-nos. Meneleu foi incentivado por um grande amigo e compadre, também preso político, Hemetério Canuto, que nos ofereceu a residência de seus pais, em Natal, para que após nosso casamento, eu pudesse ficar aí hospedada.
Meneleu pediu licença ao tenente, chefe de Polícia, cujo nome não me recordo, para que consentisse em nosso casamento, embora que, para tanto, sabíamos que enfrentaríamos várias dificuldades, como o consentimento de meus pais.
Meu pai alegava que eu era menor de idade de idade, não sendo possível realizar nossa união. Àquela época, o bispo de Mossoró, Dom Jaime Câmara, nosso parente, era muito conhecido da família. Foi, pois, possível a Bolívar, meu irmão mais velho, que havia sido seminarista, comunicar-lhe o que estava se passando.

Dom Jaime Padre Mota
 

Dom Jaime solicitou, assim, a presença de meu pai, aconselhando-o, energicamente, para que o mesmo consentisse em casar-me com Meneleu. Um conselho do Bispo da Arquidiocese era como uma ordem. Foi, então, que aos 03 de junho de 1941, numa quarta-feira, Padre Mota abençoou nossa união.
Partimos, no dia seguinte para Natal, sob uma onda de comentários da população, pois viajamos escoltados, em cena jamais vista em uma cidade pequena como àquela época. Tomamos o transporte para Angicos, para aí pernoitarmos e seguirmos na quinta-feira para Natal.
Entretanto, Meneleu, sem me consultar, gratificou um cabo que nos acompanhava, para que pudéssemos ficar em Angicos até o final da semana. Pagou, então, as diárias da pensão, e só viajamos para Natal na segunda-feira, no trem da manhã.
Chegamos a Natal à tarde. Fomos acolhidos carinhosamente pela família do Sr. Miguel Canuto. Tivemos que enfrentar, novamente, a separação, e assim mais sofrimento.
Meneleu teve que ser recolhido novamente, ficando eu com a bondosa família, no Alecrim, e Meneleu em Petrópolis. Ia vê-lo duas vezes por semana. Assim, passavam-se os dias e eu, na minha solidão, fui ficando doente, debilitada, mal sabendo, diante da minha ingenuidade e inexperiência, que estava grávida.
Com essa certeza, pois, a família Canuto comunicou a Meneleu o que estava ocorrendo, aconselhando-me a voltar para Mossoró para que fosse cuidada pelos meus pais. Meneleu consentiu. Voltei abalada com a separação e com uma viagem tão sofrida, de caminhão misto, pela Serra Corá.
Ao chegar a Mossoró não me continha de tanta fraqueza. Meus pais procuraram logo um médico, Dr. João Marcelino, que confirmara minha gravidez e confirmava que meu estado físico e psicológico não permitiria talvez a continuidade da gravidez.
Tinha ele razão, pois ao chegar ao quarto mês da gestação tive que hospitalizar-me, perdendo, assim, meu filho, bem como, quase perdi minha vida. Após um mês de hospitalizada, Meneleu achou que eu estava demorando a voltar e, nessa certeza, desesperou-se e pediu consentimento junto ao Ministério da Justiça para ficar comigo, no que não foi atendido.
Passamos mais um ano separados. Ele, em Natal, e eu em Mossoró, firme e decidida a esperar por ele. Finalmente, chegou o dia em que ele voltou a Mossoró e, novamente, na cadeia, continuou com seus trabalhos artesanais, para que pudesse arrecadar algum dinheiro para nós.
Conseguiu, assim, alugar uma pequena casa, vizinha a seus pais, e lá fui morar. A escolta conduzia-o à nossa casa duas vezes por semana, de manhã, e à tarde, os soldados vinham buscá-lo. Aos domingos, eu ia visitá-lo na cadeia, achando até que era melhor para nós, pois nos reuníamos com todas as visitas dos presos que aí estavam.
Nesse tempo, pois, fiquei novamente grávida. Dessa vez, com mais tranquilidade. Nasceu, assim, minha primeira filha, Maria das Virgens, que hoje se chama Dayse, em 23 dezembro de 1942.
Em setembro de 1943, finalmente, Meneleu foi libertado, terminando, assim, aquela odisseia de sofrimentos. Eu já estava grávida da minha segunda filha, Ivahy, que nasceu no dia 19 de dezembro daquele ano.
Após sua saída da cadeia, Meneleu foi convidado pelo Coronel Saboinha a trabalhar na Estrada de Ferro de Mossoró. Confiante em sua capacidade de trabalho, o Coronel colocou-o para trabalhar juntamente com o engenheiro arquiteto Dr. Pedro Ciarlini, e aí deixou grandes marcas de seu trabalho, como plantas de casas da cidade de Mossoró, e até mesmo esquemas hidráulicos de residências que, até hoje, foram realizados por ele.
Não poderia deixar de citar, nesses meus escritos, a grande amizade que ficou de um casal que conhecemos: Vulpiano Cavalcante, médico, e sua esposa Ângela. Moravam em Areia Branca e vinham passar fins de semana em Mossoró, hospedando-se em nossa casa.
Era nesses fins de semana que Vulpiano ajudava a população, no Hospital, com consultas, prescrições e, até mesmo, cirurgias, não apenas dos mais necessitados, mas até mesmo de pessoas de posse. Vulpiano tinha ideal comunista e, muitas vezes, ia preso.
Em uma dessas prisões, fora levado para Natal, enquanto sua esposa, Ângela, ficara conosco, grávida, e já no último mês de gestação. A acompanhei a Natal, juntamente com uma amiga do casal para contratar um advogado para libertar Vulpiano.
Estávamos de volta para Areia Branca, quando a senhora amiga dos dois resolveu passar um telegrama para Areia Branca, avisando da chegada de Vulpiano nos seguintes termos: Vulpiano solto. Prepare massa.
Foi o suficiente para que, em Areia Branca, os militares tomassem conhecimento do telegrama. Os idealizadores do motim foram presos e deveriam ser ouvidos pelo delegado. Um dos presos estava, ainda com o telegrama em suas mãos, quando, de repente, um outro preso, um estivador chamado Josué, foi rápido, tomou o telegrama nas mãos, amassou-o e colocando-o na boca, mastigou-o e engoliu o referido papel. Assim, não existia mais prova de que o tal telegrama existia, ficando considerada uma estória descabida. Foram todos soltos, inclusive o marido da tal senhora que enviara o telegrama.
A vida em Mossoró já começava a se tornar difícil para nós que já estávamos com quatro filhos. Vulpiano já tinha sido libertado e morava em Fortaleza. Aconselhou Meneleu a vir morar nessa cidade, ajudando-o com um emprego, como tipógrafo, no jornal O Democrata.
Viemos, assim, para Fortaleza, com nossas quatro filhas: Maria das Virgens (nossa Dayse), Ivahy, Ivanova e Isolina. Trouxemos, para nosso sustento, algumas pequenas máquinas de fabricar carimbos. Meneleu passou pouco tempo no jornal, pois decidira trabalhar com o material que trouxe, fabricando carimbos para uma livraria chamada Livraria Alaor.
Aí, as encomendas de carimbos das lojas de Fortaleza eram repassadas para que Meneleu os fabricasse. Os proprietários da Livraria Alaor tornaram-se nossos grandes amigos e compadres.
 
Ficamos, depois, muito saudosos em Fortaleza, pois nossos amigos Vulpiano e Ângela decidiram ir morar em Natal. Mas, os anos foram passando e nossa família foi crescendo. Ao nascer nosso primeiro filho, em Fortaleza, fizemos uma homenagem ao Dr. Raul Caldas, o chamando de Raul Meneleu.

Os outros foram chegando quase que de ano em ano: Ivanize, Francisco Meneleu Filho, Ivanira, Ivanilda, Maria Albertina, Antônio Caetano Neto e José Meneleu.
 
Aquelas pequenas máquinas de carimbos foram suficientes para educarmos nossos filhos. Meneleu trabalhou muito para que assim fosse conseguindo expandir sua pequena fábrica de carimbos e comprando máquinas que produziam etiquetas de nylon e de tecidos.

Aqui fomos e somos felizes. Nossos filhos foram criados com amor, dedicação e responsabilidade. Na adolescência dos mais velhos, passamos por anos muito perigosos a partir do ano de 1964, em relação à política, com os militares no poder. Nós tínhamos um exemplo de injustiça dentro do nosso lar. Não queríamos, pois, que nossos filhos também passassem por aquele sofrimento.

Conseguimos orienta-los comedidamente. Sem vergonha e sem medo de um passado que só orgulho traz a todos eles. Um pai forte e trabalhador e uma mãe que procurou com todas as forças estar sempre ao seu lado.

Francisco Meneleu e Maria de Loudes

 


Primeira mulher a casar com um preso político no Brasil. Mãe dedicada e amorosa de uma prole de doze filhos, que cuidava com muito carinho e dedicação de seu amado esposo que foi preso e condenado a seis anos e seis meses de prisão por ter participado no levante comunista no ano de 1935 na cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte. Tal episódio ficou conhecido pela história dos vencedores como Intentona Comunista.